De boas intenções o inferno está cheio e de boas ideias mal executadas também. Há tempos não sentia
essa urgência, outrora tão comum, em escrever sobre livros. Ironicamente,
Fahrenheit 451 me trouxe de volta essa inquietação, talvez pela iminência de tudo
acabar se tornando cinzas dispersas ao sabor do vento. Digo ironicamente porque
o livro é fraco justamente por sua não funcionalidade, por perder-se antes
mesmo de ter se encontrado.
Fahrenheit 451 se desenvolve num cenário (pseudo) distópico
no qual a única diferença de mais destaque que podemos perceber é o trabalho às
avessas dos bombeiros. Os livros são terminantemente proibidos nessa sociedade
recortada e quem for pego transgredindo a regra básica tem sua casa, com livro
e tudo, carbonizadas até as fundações justamente pelos bombeiros, cuja única função
nessa salada é queimar tudo. Pausa para aplaudir a ideia de Bradbury de fazer
um jogo das cadeiras e trocar as posições e funções dos elementos na narrativa.
Fim da pausa porque essa é definitivamente a única boa ideia apresentada e,
ainda assim, perde toda sua originalidade no desenvolver da trama e,
principalmente, da escrita do autor.
O personagem principal de Fahrenheit 451 é Montag, um
bombeiro que começa a ter crises de identidade no exercício da sua função. Tem
o estalo de perceber que algo está errado quando, numa das ocorrências de
bombeiro (ou seja, tocar fogo em algum lugar), uma senhora recusa-se a
abandonar sua casa e biblioteca preferindo queimar junto a eles. Nessa confusão
(dedo no cu e gritaria), nosso protagonista nota, com surpresa, que um livro
caiu bem na sua mão e no meio da balbúrdia, ato contínuo, resolve escondê-lo ao
invés de queimá-lo.