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FAHRENHEIT 451 – RAY BRADBURY

06/04/2018


De boas intenções o inferno está cheio e de boas ideias mal executadas também. Há tempos não sentia essa urgência, outrora tão comum, em escrever sobre livros. Ironicamente, Fahrenheit 451 me trouxe de volta essa inquietação, talvez pela iminência de tudo acabar se tornando cinzas dispersas ao sabor do vento. Digo ironicamente porque o livro é fraco justamente por sua não funcionalidade, por perder-se antes mesmo de ter se encontrado.

Fahrenheit 451 se desenvolve num cenário (pseudo) distópico no qual a única diferença de mais destaque que podemos perceber é o trabalho às avessas dos bombeiros. Os livros são terminantemente proibidos nessa sociedade recortada e quem for pego transgredindo a regra básica tem sua casa, com livro e tudo, carbonizadas até as fundações justamente pelos bombeiros, cuja única função nessa salada é queimar tudo. Pausa para aplaudir a ideia de Bradbury de fazer um jogo das cadeiras e trocar as posições e funções dos elementos na narrativa. Fim da pausa porque essa é definitivamente a única boa ideia apresentada e, ainda assim, perde toda sua originalidade no desenvolver da trama e, principalmente, da escrita do autor.

O personagem principal de Fahrenheit 451 é Montag, um bombeiro que começa a ter crises de identidade no exercício da sua função. Tem o estalo de perceber que algo está errado quando, numa das ocorrências de bombeiro (ou seja, tocar fogo em algum lugar), uma senhora recusa-se a abandonar sua casa e biblioteca preferindo queimar junto a eles. Nessa confusão (dedo no cu e gritaria), nosso protagonista nota, com surpresa, que um livro caiu bem na sua mão e no meio da balbúrdia, ato contínuo, resolve escondê-lo ao invés de queimá-lo.


Aqui a primeira incongruência começa a gritar mais alto que a MC Melody fazendo falsete. As primeiras frases de Fahrenheit falam justamente do prazer que Montag sente ao ver os livros ardendo em chamas e, de repente, não mais que de repente, começa a se sentir tocado pelos objetos encadernados. Sentir curiosidade em descobrir o que há de tão subversivo naquelas páginas capazes de fazer com que valha a pena, se não morrer por eles, morrer com eles seria um motivo totalmente plausível na trama, não fosse o fato de que esse objeto surrupiado não era o primeiro, como descobrimos no decorrer da leitura. O que torna tudo mal executado é o fato de que durante um ano escondendo um livrinho aqui e outro acolá, a vida do protagonista permanece indefinidamente no modo automático e só desperta com a ajuda de terceiros, a senhora Blake (que preferiu manter-se unida com seus livros até o fim) e Clarisse, uma adolescente desajustada que cumpre a cota de personagem sensata e desparafusada que serve como cola para unir as incongruências das atitudes de Montag.

Um dos grandes problemas que saltam aos olhos em Fahrenheit 451 é o fator tempo. Os acontecimentos não seguem uma constância temporal, o desenvolvimento do personagem não é gradual. Ele passa de uma doce ovelha do rebanho de robôs para transgressor da ordem de uma hora para outra por mais que o autor tenha tentado, fracamente, demonstrar que a semente da mudança já estava sendo plantada. O grande exemplo de salto de desenvolvimento se encontra na terceira parte quando o caçador, de repente, se torna a presa. Ressalto aqui um pedantismo ridículo nessa porção do livro que, se antes vinha se mantendo nos trilhos numa má execução até então desculpável, agora degringolou numa panfletagem repetitiva de escrita simplória.

A respeito da simplicidade na escrita de Bradbury, à princípio, não era um fator negativo, embora depois tenha se tornado, por ter decaído da simplicidade precisa para uma simplicidade sem valor. Uma escrita objetiva também conta como parte da estética de um romance como um todo, mas no caso específico de Fahrenheit ela não é objetiva com esse fim, a impressão causada é de ser uma escrita simplesmente fraca mesmo sendo uma leitura bastante fluida ou, melhor dizendo, talvez por isso seja uma leitura fácil. Fahrenheit 451 detém passagens que, isoladamente, são muito boas, mas não funcionam junto ao todo, é um exemplo clássico de uma ótima ideia com péssima execução.

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