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Sobre a volta da que não foi e No Coração das Trevas (Joseph Conrad)

02/05/2014

Eis-me aqui, novamente, após quatro meses de afastamento. O que me levou a ficar longe daqui por tanto tempo, francamente, não sei dizer, embora o blog e tudo que ele trouxe tenham me feito uma falta danada. Pode parecer besteira, algo no qual alguns talvez não vejam ligação, mas a minha impossibilidade de escrever qualquer coisa que fosse durante esse tempo, interferiu até mesmo na minha vontade de ler. Compreendi que para que eu consiga ler, pura e simplesmente, eu preciso escrever. Acabou que a escrita se tornou a forma que encontrei de esclarecer as coisas para mim mesma. E perceber isso foi bem estranho, já que sempre considerei minha escrita medíocre e, de repente, me pego precisando dela. Mas não foi para falar do meu modo de escrever que voltei, mas sim para falar da escrita que me fez voltar.

Sabem, eu sou fascinada por essa corrente fantástica que é a literatura. O modo que, direta ou indiretamente, uma obra ou autor recomenda outros. Digo isso porque até pouco tempo eu não me interessava por Joseph Conrad, fosse ele quem fosse, mas toda essa percepção mudou graças a um outro escritor que, por sua vez, veio a se tornar meu ideal de escrita. Quem acompanha o blog sabe bem que estou falando de Ford Madox Ford. Os dois trabalharam juntos no romance The Inheritors: An Extravagant Story (1901), que, um dia, também aparecerá por estas paragens... O que quero dizer com tudo isso é: Madox Ford levou-me até Conrad, e Conrad me trouxe de volta até aqui. Não sei quanto a vocês, mas eu acho isso sensacional.


Sobre Conrad e seu coração das trevas só posso qualificar como espetacular. Uma novela de escrita tão simples, mas que espeta o leitor do começo ao fim. Num primeiro momento a história é só um cara contando sua jornada até a África, em busca de um oficial doente, por lugares onde a “civilização” ainda não tinha tocado, em direção à terra de selvagens, considerados pelos europeus como seres inferiores, um povo a ser sobrepujado. Mas a partir do momento que se demora um pouco mais o olhar sobre as palavras de Conrad, o teor psicológico e simbólico da obra logo cerca o leitor.

“– A terra parecia extraterrena. Estamos habituados a contemplar a forma acorrentada de um monstro subjugado, mas ali... ali era possível contemplar algo monstruoso e livre. Era extraterreno, e os homens eram... não, não eram inumanos. Bem, os senhores sabem, isso era o pior, a suspeita de que não eram inumanos. Tal noção surgia aos poucos. Eles urravam e pulavam, e giravam e faziam caretas horrendas; mas o que nos impressionava era, precisamente, a ideia de que eram humanos... tanto quanto nós... a ideia do nosso remoto parentesco com aquele alarido selvagem e ardente. Horrendo. Sim, era horrendo; mas, quem fosse homem o bastante admitiria ter em si mesmo um leve indício de receptividade à terrível franqueza daquela algazarra, uma vaga suspeita de haver naquilo um sentido que nós... nós que estamos tão distantes da noite das primeiras eras... podíamos compreender.” (p. 74-75)

No Coração das Trevas mais do que descrever o desconhecido que cercava a África, descreve o desconhecido que cerca a alma – para aqueles que acreditam em alma; e para aqueles que não, faça a substituição por aquilo que está aí dentro de você e que ninguém mais consegue alcançar, por vezes nem mesmo você consegue. O horror imposto por seres humanos aos seus semelhantes, a capacidade de fechar os olhos diante do sofrimento dos outros e tudo isso por... por... por nada! Porque nada justifica. Os fins não justificam os meios. E ainda veio Rousseau dizendo que o ser humano era naturalmente bom...

Uma boa maneira de entender as diversas interpretações da história escrita por Joseph Conrad sob uma ótica diferente, é assistindo ao filme Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola (já viram que eu tenho uma coisa pelo nome Ford, né?), que foi baseado em Heart of Darkness. O longa é um clássico, considerado uma obra-prima. No mais, deixo aqui minha veemente recomendação. 

11 comentários:

  1. Finalmente o retorno do seu blog, você não sabe a falta que ele faz. O que você disse sobre "escrever para esclarecer as coisas para si mesma", já me senti assim também, como se minhas ideias estivessem espalhadas no meio do nada da minha mente e só escrevendo eu pudesse por tudo em ordem, reler e entender sobre o que tudo se trata. Acho que já li outros escritores - esses, sim, escritores de verdade - dizendo coisas parecidas. Joan Didion, a ensaísta americana, acho que escreveu algo assim no ensaio "Porque Eu Escrevo". Ela fez uma relação de sonoridade da pergunta em inglês que eu achei interessante. Why I Write tem as tônicas "I, I, I", demonstrando que é tudo uma questão de autoanálise.

    Quanto à resenha, acho que não tem uma vez que eu não diga isso aqui, mas ainda lerei Joseph Conrad. Também o deixava pra depois, apesar de ter visto e gostado muito de Apocalypse Now. Achei interessante o trecho que você destacou porque, recentemente, ouvi falar que o autor nigeriano, Chinua Achebe (O Mundo se Despedaça, 1958), deu algumas aulas demonstrando o racismo no texto do Conrad. Isso foi em 1975 e até agora causa controvérsia. Ele disse que Coração das Trevas desumaniza o africano. Esse trecho, no entanto, me deu uma impressão oposta. O que você acha?

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    1. Que bom saber que a minha falta foi sentida! Fico feliz e empolgada pra continuar. Fiquei interessada nesse ensaio da Joan Didion, vou dar uma procurada. Why I Write, não tinha percebido essa sonoridade e é muito interessante, vou pesquisar mais a fundo.

      Quanto ao senhor Conrad, ao meus olhos, o texto dele é racista sim. Ele diminui o negro, o africano, sim. Inclusive esse trecho que eu coloquei, na minha opinião, serviu não para "elevar" o africano ao patamar de ser humano, mas sim para "diminuir" o europeu, o branco, aqueles seres tidos como incivilizados, selvagens... Eu concordo, sim, com a posição do Chinua Achebe. Do mesmo modo que o livro faz uma crítica ao imperialismo europeu na África, Marlow (que é o narrador-personagem da história de Conrad) trata os africanos apenas como um pano de fundo. Um povo sem voz, bárbaros, selvagens... Quando eu paro pra pensar, eu acredito mais que o horror sentido pelos personagens se dava mais por ver do que os próprios brancos eram capazes de fazer, do que alguma comiseração pelos negros, pelos que realmente sofreram com esse imperialismo.

      Enfim, essa foi a primeira interpretação que eu fiz e o livro pede por releituras porque é bem denso e te permite um leque imenso de formas de se ler o que está escrito. Mas eu, neste primeiro momento, concordo com o Achebe.

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    2. Sem ter lido o livro, diria que concordo com você, mas agora quero lê-lo mais do que nunca para entender melhor essa impressão. Por um lado, acho que é pedir demais que um homem nascido em 1857, escrevendo sobre a África, não tenha uma visão racista, mesmo não intencionalmente. Mas me preocupa que grande parte dos críticos tenham descartado essa teoria somente porque a prosa de Conrad é tão perfeita. Também quero ler um livro do Achebe, já que ele tem uma visão interna dos costumes que Conrad considerava primitivos.

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  2. Taci, que saudade das suas resenhas! Você escreve tão bem e sim, escrever é uma ótima maneira de organizar, queria ter menos preguiça. Eu li No coração das trevas tem uns dois anos,conheci por causa do filme e ambos são devastadores para mim. Eu encaro as trevas do Conrad como o sertão do Guimarães, estão ambos falando mais do que existe dentro de nós do que propriamente do exterior. Claro que ele denunciou a barbárie que acontecia na época das colonizações, mas isso só aconteceu porque, como você mesma disse, Rousseau sempre esteve enganado.

    E concordo com o seu comentário também a respeito do racismo aqui em cima. Essa foi a minha visão também.

    Beijo enorme!

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    1. Tati, fico muito feliz que tenha gostado! Sua opinião é muito importante pra mim, de verdade! Pretendo ler Guimarães em breve para entender essa relação e, principalmente, conhecer a obra dele pela qual tenho bastante curiosidade.

      Beijão, Tati!! =D

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  3. Ótimo texto! E a discussão aqui nos comentários me despertou para essa questão do racismo porque eu não lembro de ter tido essa visão, eu vi mais a questão civilizado x primitivo que a questão branco x negro, mas vou prestar atenção na próxima leitura. =)
    Beijo!

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    1. Oi, Lua! Como vai?

      A respeito da nossa visão ter se centrado um pouco mais na questão do branco x negro, a minha visão do civilizado x primitivo se deu justo nessa representação racista. Quando se referia ao negro era de como eram selvagens e de como o europeu era quem levava alguma civilização aquele povo. Mas, como eu disse, preciso de uma releitura mais complexa para formar uma interpretação mais embasada.

      Beijão! Fiquei muito feliz com a sua visita, viu?! =D

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  4. Ebaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa Taci!
    Senti muita falta das suas resenhas!

    Em todas elas você consegue despertar a minha curiosidade e (nas que você fala bem) consegue me dar aquela expectativa para ler o livro. E o melhor de tudo: você sempre chega com um livro bem diferente :)

    Também sou fascinada com o fato de um livro sempre indica outros, é quase que uma corrente sem fim!

    Agora que já reparou que a parte de escrever também influencia na sua leitura, não some mais assim, ok? Estamos combinadas? Estamos! hahaha

    Beijos!
    Um Metro e Meio de Livros

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    1. Babi!! Agora estou de volta!!

      Fico feliz em despertar a curiosidade com o que publico aqui. É muito bom partilhar o gosto pela leitura com tanta gente bacana.

      Estamos combinadíssimas! hahah
      Beijos!

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  5. É sempre um prazer ler as suas resenhas Taciele e elas fizeram bastante falta. Muitos dos livros que aqui são resenhados não chamariam minha atenção em outras ocasiões, mas há algo na forma como você escreve que inspira a me aventurar por entre eles e isso é realmente muito bom. Espero que tenha volta para ficar, pelo menos por um bom tempo :D

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    1. Marina, muitíssimo obrigada! Fiquei muito feliz com o seu comentário! Fico ainda mais feliz em saber que de alguma maneira chamo a atenção de leitores tão bacanas como você.

      Pretendo voltar por um tempo, sim. Quero aproveitar a folga da faculdade pra dar atenção pro blog (pelo menos até as próximas férias rs).
      Beijos!

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