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O bom soldado, de Ford Madox Ford

18/12/2013


"Nós todos temos tanto medo, nós todos somos tão sozinhos, nós todos precisamos tanto que venha de fora a garantia de nosso próprio valor para existir."

Quanto mais e mais penso e repenso a respeito de O bom soldado, só consigo chegar a uma conclusão: é este o livro, mais do que qualquer outro, que eu gostaria de ter escrito. O estilo de Ford Madox Ford, o modo como ele conta sua história, aos meus olhos não é nada menos do que fantástico. Por fantástico não quero nem dizer que a trama é original, inovadora, ou qualquer coisa que o valha, mas toda a dubiedade dos personagens somada a narração de mestre proporcionada pelo estilo de Madox Ford, fizeram com que O bom soldado se tornasse uma das melhores leituras deste ano.

A história é narrada por John Dowell, um americano que vive viajando pela Europa com sua esposa Florence, até que numa dessas viagens acabam conhecendo um típico casal inglês, Edward (ex-militar e o bom soldado referido no título) e Leonora Ashburnham. E são esses dois casais que formam o quarteto central de O bom soldado, é a história do que aconteceu durante os nove anos de amizade entre esses dois casais que é contada por John Dowell, e magistralmente narrada por Madox Ford. “Uma história de paixão”, diz o subtítulo; “Esta é a história mais triste que já ouvi”, é a primeira frase. E um caminho bastante emaranhado ligando as duas orações.

Francamente, não sei nem como começar a falar sobre O bom soldado. Mas já que me propus o desafio, vamos lá! A começar pela narração, que é o ponto alto do livro. O nosso narrador-personagem, John Dowell, é quem relembra os fatos que passa a nos contar. E digo assim mesmo, nos contar, porque ele mesmo nos chama de “ouvinte silencioso”. Sabemos logo de início que dois personagens já estão mortos quando a história começa a ser contada. John Dowell é agora um viúvo, e o amigo Edward Ashburnham também já passou desta para uma melhor (ou pior, se você for pessimista). Começamos a ouvir sua história sem saber o que esperar, e somos muito bem recompensados quando passamos a descobrir.

A narração não é de modo algum linear. John Dowell passeia por suas lembranças ao mesmo tempo em que acrescenta atuais impressões a acontecimentos há muito passados. É uma narração cheia de digressões, que nos confunde e nos instiga cada vez mais até enfim elucidar nossas dúvidas. E nesse ponto não sei mais o que dizer além de que foi uma das narrações mais sensacionais que já tive o prazer de ler. John Dowell volta ao passado, passeia um pouco numa determinada memória, para em seguida explicar um outro acontecimento, que a princípio não parece ter ligação com o que ele estava contando logo no começo. E é fantástico! O que Madox Ford fez aqui, francamente, não consigo classificar de outra maneira senão fantástico!

O fato é que o tal casal tipicamente inglês, os Ashburnham, não são tão perfeitos como parecem. E é aqui mais especificamente que entra a dubiedade de que falei na minha introdução. Ao passo que vamos conhecendo esse casal, sob a visão de um narrador-personagem que isso fique sempre bem claro, percebemos o quão torturante e nada perfeita é a relação dos dois. A própria Florence Dowell (que a princípio somos levados a acreditar que morreu de um problema cardíaco) nos é verdadeiramente revelada pouco a pouco por seu marido. Toda a relação dos quatro é recheada de traições e mentiras das quais apenas o próprio Dowell não tinha conhecimento.

O bom soldado é definitivamente uma história de paixão. Ou, mais especificamente, das paixões de Edward, o nosso bom soldado. Uma pessoa que nos é mostrada como correta e boa, mas essencialmente emocional que sempre se deixava levar por seus sentimentos, até que entra em cena um outro elemento essencial à história, e é esse elemento somado a natureza sentimental de Edward que torna, nas palavras do nosso narrador, esta história a mais triste que ele já ouviu.

Madox Ford nos passa imensas emoções no decorrer da história, a cada momento nos sentimos de maneira diferente com relação às personagens e a dubiedade chega até a nós. São personagens tão essencialmente humanos, cometendo erros tão humanos, sendo guiados por sentimentos absurdamente humanos. E essas mesmas personagens não fazem esforço algum para tentar nos conquistar e mesmo assim somos levados para o centro de suas emoções! Definitivamente o ponto alto e forte deste livro é a narração de Madox Ford. O bom soldado é considerado uma obra-prima e não poderia ser diferente.

Sinto que ainda há tanto por ser dito que mesmo se eu passasse horas falando sobre este livro ainda assim me escapariam detalhes cruciais. Agora que reli meu texto percebo que está tão desfalcado que sinto até vergonha de postá-lo, mas, quer saber?, que seja! Eu apenas precisava falar de O bom soldado, precisava falar de como Madox Ford me conquistou de uma vez e para sempre com seu modo de contar histórias, precisava apenas compartilhar o quanto este livro é bom, mesmo que essencialmente não tenha nada de novo. Ford Madox Ford soube como pontuar absolutamente tudo e não deixar pontas soltas, mesmo com todas as digressões do narrador-personagem. No mais, livro excelente. Uma verdadeira obra-prima.

15 comentários:

  1. Tinha ouvido falar muito do Ford Madox Ford, por causa dos autores que ele influenciou, mas sempre fui deixando. Mais uma resenha sua que me convence a mudar de ideia.

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    1. Que bom que mudou de ideia, Raphael. O Madox Ford vale e muito a leitura.

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  2. Eu tinha tirado esse livro na biblioteca há algum tempo, mas a faculdade não me deixou ler :/ lembro bem na narrativa, é incrível mesmo; ele vai falando dos casos de um jeito muito instigante, e ele te conta sem falar com nenhuma palavra explícita que nada era o que aparentava ser. Parece ser excelente mesmo!
    Ai, será que um dia eles trazem Parade's End pra cá? Já li muitos comentários sobre esse e todo mundo fala que é perfeito, cheio das complexidades e das tretas. Mas é tão grande e parece ser meio complicado, então eu tenho medinho de arriscar no original...

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    1. Exatamente! Essa narração de Madox Ford é o grande trunfo do livro e é incrivelmente bem feita!
      Poxa, queria tanto que trouxessem Parade's End pra cá... Ainda não criei coragem para me arriscar no original justo por essa combinação de livro enorme + complexo. Não quero me arriscar a perder detalhes de uma trama como essa, como provavelmente aconteceria caso eu lesse no original. Será que um dia a Alfaguara traz pra gente?

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  3. Sempre fico pensando que passar pelo seu blog me fará aumentar minha lista de querências, porque suas resenhas são ótimas e instigantes. Descobri esse livro quando estava lendo Firmin, me deu vontade de comprar, deixei passar algumas oportunidades, mas agora fiquei com muita vontade. Como é bom ter essa sensação, a de fazer uma leitura incrível.

    Beijos

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    1. Flávia, muito obrigada! E essa sensação é realmente incrível. Mesmo durante a leitura já perceber que tem em mãos um grande livro já é uma felicidade.

      Beijos!

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  4. Taciele, que lindo texto e preciso confessar: fiquei com vontade ler esse livro agora, rs. Sério, vou colocar na minha listinha ;) Fiquei instigada, principalmente, com a narrativa e com a relação entre os casais. Vou procurar esse, com certeza!
    beijo grande,
    Maira

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    1. Oi, Maira! Que bom que gostou. :)
      Fico muito feliz em ver que algumas palavras minhas puderam instigar a vontade de outras pessoas em lerem o livro! Beijão!

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  5. Taci, tenho que confessar que simplesmente adoro ler suas resenhas! Você escreve muito bem, se um dia resolver começar a escrever um livro, pode contar comigo como fã ;)

    Beijoos!

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    1. Babi, que bom ler isso! Muitíssimo obrigada! =DD

      Beijos!

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  6. Ah, Taci... mais um livro que já cheguei a por no carrinho e deixei de lado e que me arrependo de não ter comprado depois de ler sua resenha.
    De certo modo, me lembrou "O Jantar", pelo fato dos personagens serem dois casais e do jogo de aparências, como revelações cada vez mais aterradoras. Enfim... da próxima vez que vir esse livro em promoção, efetuarei a compra. Tks por me convencer!
    beijo e um ótimo 2014 pra você!

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    1. Mi, só comprei esse porque o Madox Ford já estava na minha lista fazia um bom tempo por causa de outro livro dele. Acabei dando uma chance e fui surpreendida!
      Agora fiquei interessada em 'O Jantar'. Vai pra lista e assim que a oportunidade surgir, lerei com certeza!

      Beijão e um 2014 incrível pra nós!! =D

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  7. Olá, Taciele! Tudo bem?
    Tenho curiosidade de ler Ford Madox Ford desde que conheci a minissérie “Parade's End” (com o lindo Benedict Cumberbatch <3). Acabei não assistindo o seriado todo, pois estou com esperança que a Alfaguara traga “Parade's End” pro Brasil.
    Pelas suas impressões “O Bom Soldado” parece ser uma história simples, mas fascinante! Ótima resenha! ^_^
    Beijos!

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    1. Oi, Lulu! Vou bem e você? ^^
      Então, conheci o Madox Ford da mesma maneira, há um ano. Na verdade só o conheci por culpa única e exclusiva do Benedict Cumberbatch (sou dessas que quer assistir tudo que ele faz) e aí foi na época que lançou Parade's End e eu fiquei completamente encantada. Na falta da obra que me fez conhecê-lo, fiquei com O Bom Soldado e foi uma escolha muito feliz.
      Também tenho esperanças que a Alfaguara traga a tetralogia pra cá. Aliás, concentro toda a minha energia positiva nessa esperança, haha.
      Beijos!

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  8. Oi, Taciele! Acabei de passear pelo seu arquivo e descobri que a gente leu Norwegian Wood na mesma época e com impactos parecidos! Muito lindo esse livro, tenho que ler outro do Murakami em breve. Enfim, só pra dizer que amei o blog.
    P.S: eu também já quis ter uma iguana. =)

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