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Ser ou parecer ser: eis a questão.

14/05/2013


“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.” E este é o mais célebre início de uma das maiores histórias de todos os tempos. Considerado um colosso da literatura mundial, e obra-prima do autor russo Liev Tolstói, Anna Kariênina nada mais é do que uma obra de tamanho tal que, por mais que eu queira, jamais conseguiria exprimir sua magnitude em palavras que, por sua vez, só conseguiriam demonstrar uma ínfima parte de algo que é infinitamente majestoso per se. Ambientado entre – à época – os dois grandes centros da Rússia, Moscou e São Petersburgo, este grande livro – grande em todos os aspectos – acompanha a história dos dois protagonistas Anna e Liévin, que entre toda a extensa narrativa encontram-se apenas uma vez. Porém, não são menos ligados do que se fossem postos juntos em todas as páginas.

O tradutor Rubens Figueiredo conta, em sua apresentação, como a história de Anna começou a nascer na mente de Tolstói. Para o bem ou para o mal, já sabemos o que acontecerá ao fim do livro, mas é o caminho até lá que verdadeiramente importa. É o poder de Liev Tolstói em nos inserir na mente e nos desejos e nos mais profundos sentimentos de seus personagens, que reside o brilho incandescente de Anna Kariênina.

Esta é, trocando em miúdos, uma história sobre aparências. Trata sobre aquilo que se passa no íntimo de cada um e de como isso é externado, quando externado. Estamos sempre a par dos sentimentos das personagens e do que essas mesmas personagens aparentam ser. O dilema interno de cada um em esconder o máximo possível aquilo que tem de mais verdadeiro dentro de si. Escondendo até de si mesmo, como é o caso de Kariênin. É uma história de como a má interpretação do outro, a leitura errada da personalidade e dos possíveis pensamentos do outro pode acarretar tanta infelicidade, tanta tristeza, tanto sofrimento...

"[...] Qualquer pessoa que conheça até os mínimos pormenores toda a complexidade dessas condições que a cercam é levada a supor, de modo involuntário, que a complexidade dessas condições e a dificuldade para encontrar uma solução constituem uma peculiaridade pessoal e fortuita, apenas sua, e nem de longe imagina que os outros estejam também cercados pela complexidade de suas próprias condições pessoais."

Anna Arcádievna, uma dama da alta sociedade Petersburguesa, casada com Kariênin, e mãe de Serioja, resolve viajar até Moscou a fim de ajudar a salvar o casamento do irmão, Stiepan Arcáditch. Stiva, como é carinhosamente chamado - que não é lá um belo exemplo de espécime muito apegado a fidelidade -, viu sua comum vida doméstica ser posta de ponta-cabeça ao ser descoberta, por sua esposa Dolly, uma de suas puladas de cerca. Chegando à Moscou com a melhor das intenções, o destino resolveu agir e trazer ao seu encontro uma alma, que a partir de então, se tornou parte dela própria. O destino trouxe conde Vrónski, e foi exatamente neste momento que o trem começou a sair dos trilhos...

Anna e Vrónski, da adaptação cinematográfica de 2012.
Presa à um casamento ao qual era indiferente e acomodada - infeliz talvez, mas não gosto do significado que a palavra implica. Lembrem-se sempre que essa é uma história sobre aparências. Apesar de ela mesma ter se dito infeliz no casamento com Kariênin, aos meus olhos não existia essa infelicidade toda que ela tanto clamava, mas que só era infelicidade por ser sempre comparada  à "felicidade" de uma relação extra-conjugal cheia de novidades e cheia de "amor" -, encontra em Vrónski tudo aquilo que ansiava, mesmo antes de se dar conta disso.

“– Eu, infeliz? – disse ela, aproximando-se dele e fitando-o com um extasiado sorriso de amor. – Eu sou como uma pessoa faminta a quem deram o que comer. Talvez essa pessoa esteja com frio, e suas roupas estejam rasgadas, talvez sinta vergonha, mas infeliz não é. Eu, infeliz? Não, aqui está a minha felicidade...”

E como esta história é uma espécie de teia magistralmente trançada na qual todos os personagens estão, invariavelmente de alguma forma, interligados, temos uma das grandes cabeças desta obra, Konstantin Liévin., um aristocrata que vive no campo e dele não abre mão jamais. Liévin, que chegou em Moscou quase ao mesmo tempo que Anna, o foi com o propósito de pedir a bela Kitty em casamento. Kitty – que é a irmã mais nova de Dolly e cunhada de Stiva, este que é o mais próximo de melhor amigo para Liévin –, por sua vez, é apaixonada e sonha em se casar com Vrónski, e este, bem, todos nós sabemos muito bem por quem ele caiu de amores...

Mas deixemos de lado toda essa dança das cadeiras e foquemo-nos única e exclusivamente apenas em Liévin, ao menos por um momento. Entre todos os personagens, Liévin é o mais transparente e o mais firme. Aliás, não acredito que firme seja a palavra correta, mas por firme quero dizer que Konstantin é o personagem mais reto (?). – Ok. A explicação ficou ainda mais confusa, mas tentemos de novo porque não sou leitora de desistir fácil! – Mais uma vez, por reto quero dizer que as nuances de sua personalidade são facilmente percebidas, graças ao poder de Tolstói em dar tamanha emoção às suas criações. Nós, os leitores, temos total acesso ao que se passa nas profundezas do seu coração, no centro da sua alma. Assim como os outros personagens também o percebem em menor ou maior grau, que é o caso de Stiva. À princípio, aparenta ser um "nada demais", mas no decorrer da leitura Liévin se torna o personagem mais nítido. Percebemos que tudo o que ele é, tudo o que faz parte dele, só poderia pertencer à ele e à ninguém mais e é, justamente essa característica, que o faz tão singular entre tantos personagens.


Liévin, também da adaptação de 2012. 
“– Aí está, veja só – disse Stiepan Arcáditch, você é um homem muito íntegro. É a sua qualidade e o seu defeito. Tem um caráter íntegro e quer que toda a vida seja formada de fenômenos íntegros, mas isso não acontece. Você despreza a atividade do serviço público porque deseja que o trabalho sempre corresponda a um fim, e isso não acontece. Quer também que a atividade de um homem sempre tenha um fim, que o amor e a vida em família sejam sempre uma coisa só. E isso não acontece. Toda a diversidade, todo o encanto, toda a beleza da vida é feita de sombras e de luz.”

E quem seria o extremo oposto de Liévin, senão Vrónski? O apaixonado Vrónski... Não digo que seu amor não fosse verdadeiro, mas, certamente, dificilmente foi da maneira que tentava tanto mostrá-lo. Ele se apaixonou por uma Anna que existia apenas na sua imaginação. A verdadeira Anna, mesmo dizendo o contrário, não significava para ele mais do que uma versão piorada do que tinha sido um dia. Mas, claro, para todos os efeitos externos o tal amor permanecia intacto. 

Kariênin, de adivinhem qual adaptação?
E a própria Anna, apesar de encontrar, cada vez mais frequentes, os sinais de que a devoção de Vrónski estava arrefecendo, preferia não vê-los. Ignora sua existência, e culpa apenas o marido por suas desgraças. Pobre Kariênin... Aos meus olhos, talvez o que mais sofreu nessa história toda. Sempre sufocando seus sentimentos, suas inseguranças e nunca alterando suas feições e atitudes frias diante de tudo que acontecia. Mas esta, não esqueçam, é uma história de aparências. Ele amava a esposa, mas nunca se permitia externar seus verdadeiros sentimentos. E Anna jamais o enxergou como ele era verdadeiramente, e sempre o culpava e condenava por sua infelicidade, chamando-o de boneco e de máquina, clamando sempre o quanto conhecia o marido. Pobre Anna, tão cega e tão injusta...

Sim, a senhora só pensa em si, mas o sofrimento do homem que foi seu marido não lhe interessa. Para a senhora, não importa que toda a vida dele desmorone, que ele muito se afi... se afle... se aflija.”

Mas todas as minhas opiniões e julgamentos provém da narração estupenda de Liev Tolstói. Até porque, convenhamos, Anna Kariênina poderia muito bem ser uma história de infidelidade qualquer, não fosse o dom desse senhor russo em passar-nos os sentimentos tão humanos, tão reais que estavam por trás de todas as ações se seus personagens. E, esse sim, é o grande mérito e onde reside a grande qualidade da obra.

Anna Kariênina é uma obra densa e absolutamente completa. Não há um assunto que não seja aqui tratado e debatido, sejam eles: política, economia, religião, filosofia, arte etc... Ao fim, e ao cabo, tudo que gostaríamos é que tivesse muito mais páginas a fim de não nos separarmos nem tão cedo deste, já dito anteriormente, colosso da literatura mundial.

P.S.: Aproveitando o tema deste mês para o DL 2013 (livros citados em filmes), uso essa resenha como minha participação, já que Anna Karenina foi citado no filme A Insustentável Leveza do Ser.

4 comentários:

  1. Olá,

    Como você disse, a obra parece mesmo completa, pois estamos falando de Tolstói. Estou louca para ler esse livro e também Ressurreição que parece ser excelente também. Assisti ao filme Anna Karienina na versão que passou em 1997 com Sophie Marceau. Gostei muito.

    Beijos,

    Flávia
    (emalgumlugardaimaginacao.blogspost.com)

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    1. Olá Flávia, também tenho uma imensa vontade de ler Ressurreição e Guerra e Paz (que é mais uma obra-prima desse senhor, pra variar rs). Dos filmes, só assisti a versão de 2012 com a Keira Knightley, e a de 1935 com a Greta Garbo, e estou querendo assistir também a de 1997. Não posso dizer dizer que gostei de alguma das adaptações entre as que vi, mas independente disso cada uma tem seus méritos.

      Apareça sempre, beijos!

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  2. Muito boa sua resenha! Anna Karenina é um dos livros que eu tinha separado para ler para o DL, mas maio foi um mês muito corrido e acabei lendo outra coisa. Eu só vi o filme de 1948, com a Vivien Leigh, e achei incrível. Imagino que o livro deva ser ainda mais encantador e profundo. Como você disse, é uma daquelas histórias que desde o início já sabemos como vai acabar, mas o que importa é o que acontece até o desfecho, e não o seu final previsível. Estou cada vez com mais vontade de ler esse clássico!
    bjo

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    1. Muito obrigada, Michelle! Sempre tive vontade de assistir as adaptações de Anna Karenina, mas não queria ver sem antes ter lido o livro. Não queria ter imagens já formadas dos personagens antes de ler, frescura eu sei haha... O livro é incrível não por sua história, que é bem comum convenhamos, mas sim pela forma como Tolstói conta e conduz tudo que acontece.
      Leia e conte pra gente o que achou também. Beijo ^^

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