
“Sua alma se assemelha a um rio cujas águas a chuva incessante transformou em caudal. A correnteza submergiu e ocultou todas as placas de sinalização terrestre e provavelmente já as carregou para um lugar escuro. Mas a chuva, copiosa, continua a cair sobre o rio. E toda vez que você vir em noticiários tais cenas de inundação, você pensará: Realmente, assim é a minha alma.” (pág. 15)

E, intercalando capítulos ora com
Kafka Tamura, ora com Nakata, ora com arquivos de classificação “ultra-secreta”
– cujos quais mostram as investigações feitas sobre o misterioso caso
envolvendo as 16 crianças, e que deixou peculiares sequelas no, então, jovem
Nakata, a fim de tentar elucidá-lo –, somos cada vez mais atraídos por essa
história. Resolver esse mistério agora se torna pessoal, de modo que parar de
ler é inadmissível! E, além de tudo isso, temos ainda a cereja do bolo: uma
profecia que está sempre a espreita. E assim vamos devorando as páginas sem nos
darmos conta. Murakami, com sua conversa, com o seu modo tão simples, e ao
mesmo tempo tão cheio de significados, de narrar, nos envolve em suas palavras
e usa, com maestria, o seu talento tão ímpar e tão cheio de sensibilidade de
contar histórias.
“Você pode fechar os olhos. Nada vai melhorar, mesmo que os feche. Não é porque você fecha os olhos que certas coisas desaparecerão. Ao contrário, muitas coisas tendem a piorar. Vivemos num mundo assim, Nakata. Abra os olhos. Fechá-los é sinal de fraqueza. Desviar o olhar é sinal de covardia. Enquanto você fecha os olhos ou tampa os ouvidos, o tempo passa do mesmo modo.” (pág. 182)
E se você pensa que tudo vai
ficando mais claro durante o passar das páginas, não poderia estar mais
enganado! Para cada sensação de “ei, estou começando a entender”, uma série de
outras questões mais estranhas chegam até a superfície. Acordamos no meio da
noite e nos pomos a observar o fantasma de uma pureza há muito perdida, e a
imaginar o que interliga tantas histórias de tantas vidas diferentes. E sempre
o constante questionamento: seria o destino algo já pré-estabelecido? E se
todas as tentativas de fugas desesperadas não passassem de atalhos que nos levaria
justo para onde não queríamos ir? “Os
homens não escolhem o seu destino, o destino é que os escolhe.”
“Sinto que mesmo as coisas que eu quis que acontecessem tinham sido programadas para acontecer muito antes de eu ter querido, entende? Como se eu estivesse apenas executando fielmente coisas que eu alguém programou para mim nalgum lugar. E que tudo é vão, que não adianta eu me empenhar ou me matar de tanto pensar. Ou melhor, que eu quanto mais me esforço, mais vou deixando de ser eu mesmo. Que estou me afastando cada vez mais do meu próprio caminho. E essa sensação é muito dolorosa.” (pág. 246)

Mais e mais o mundo real vai se fundindo com um mundo imaginário, um mundo de sonhos, de lembranças... A linha que separe ambos os mundos vai ficando cada vez mais tênue, chegando ao ponto de confundir-se um com o outro. Sempre se utilizando de metáforas e usando grandes tragédias gregas como pano de fundo, Haruki Murakami uniu o mundo palpável àquele que pode apenas ser sentido, levando-os a um ponto onde não fazemos mais a distinção entre um e outro. As questões sem respostas levantadas no início de repente parecem sem sentido. Afinal, a borda do mundo não é importante, o destino não é importante. O importante é a jornada. A resposta em si se resume apenas a palavras. “É que palavras não descrevem corretamente os fatos. Porque a verdadeira resposta não pode ser dada em palavras.” Sendo assim, só nos resta por um pé à frente do outro, e enfrentar a tal tempestade de areia...
“Uma coisa porém é certa: ao emergir do outro lado da tempestade, você já não será o mesmo de quando nela entrou. Exatamente, esse é o sentido da tempestade de areia.”
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