Soaria um tanto quanto antagônico, talvez, se eu dissesse que o livro que mais me tocou profundamente fosse, justamente, o que eu encontrei mais dificuldade em expressá-lo em palavras? Múltiplos sentimentos e diversas sensações flutuavam ao meu redor, de forma quase palpável, mas que, rapidamente, se enrodilhavam ao tentar serem postas no papel. Norwegian Wood não só conta uma história com uma extrema sensibilidade, como também reflete os recantos mais profundos do nosso coração. Uma obra com uma poética simplicidade, que retrata, com absurda delicadeza, o momento da metamorfose do jovem em adulto. Um momento que acontece de forma gradativa conforme viramos cada página, todas únicas em suas singularidades. Uma mudança que só poderia ser proporcionada por um sentimento tão forte quanto o amor:
"[...]Mas eu não vou abandoná-la de jeito nenhum, entendeu? Porque eu a amo e sou mais forte do que ela. E vou me tornar ainda mais forte do que agora. Vou amadurecer. Vou me tornar adulto. Essa é a minha obrigação. Até agora eu quis continuar vivendo sempre como se tivesse 17 ou 18 anos. Mas já não penso mais assim. Não sou mais um adolescente. Sinto-me responsável. Sabe, Kizuki, eu não sou mais o mesmo da época em que convivíamos. Acabei de fazer 20 anos. E tenho de pagar o preço para continuar vivendo."(pág. 306)
A história começa quando um Toru Watanabe, já com seus quase quarenta anos, é surpreendido ao ouvir tocar no seu vôo, a música dos Beatles (que dá nome ao livro) "Norwegian Wood". Pois, essa seria a chave mágica que abriria as mais remotas memórias de Toru; a música que o fez lembrar daquilo (e daquela) que prometeu jamais esquecer:
"- Eu gostaria que você nunca se esquecesse de mim. Você vai se lembrar para sempre que eu existi e estive aqui ao seu lado como agora?
- Claro. Vou me lembrar para sempre - respondi."(pág. 15)
Ocupamos, então, o assento do passageiro e inciamos um passeio pela vida do jovem Toru. Jovem esse que foi a última pessoa a ver o melhor amigo com vida, antes de ter cometido o suicídio por razões que ninguém conhece; jovem esse que, a partir de então, teve seu futuro moldado por uma ação que sequer foi sua. E é assim, que começamos a conhecer Toru Watanabe e, por que não?, a conhecer-nos a nós mesmos, pelos olhos de outrem, mesmo que esse outrem seja uma personagem de um livro ficcional. Iniciam-se então os casos e causos do nosso, singular em sua simplicidade, jovem Toru.
O livro é repleto de uma certa angústia, uma melancolia, e uns traços de que estamos sempre deixando algo para trás. Algo dentro de nós que vai, pouco a pouco, se perdendo no torvelinho que nós chamamos, simplesmente, de memória. Há passagens que denotam uma extrema solidão, mas uma solidão que vem de dentro, que independe de quão cercado estejamos pelo mundo exterior:
"Muito depois de o vaga-lume desaparecer, seus traços luminosos continuaram dentro de mim. Atrás de minhas pálpebras cerradas, dentro das espessas trevas, seu brilho suave continuava a vagar como uma alma perdida. Estendi várias vezes os braços em direção a essas trevas. Meus dedos nada tocaram. A pequena luz estava sempre um pouco além do meu alcance." (pág. 63)
"De qualquer forma, porém, naquele agradável início de tarde de final de setembro, todos pareciam alegres e isso me provocou uma solidão fora do comum. Senti como se eu fosse o único a destoar dessa paisagem. Pensando bem, eu me perguntava a que paisagem eu havia pertencido todos aqueles anos." (pág. 105)
Toru não é o personagem que cativa por se enquadrar em algum esteriótipo. Na verdade, eu não consigo enquadrá-lo em nenhuma categoria porque ele é, simplesmente, ele. Não existe vaidades ou afetações. Ele é o que é: melancólico, sem perspectiva de futuro, inteligente, introspectivo... Mas isso são apenas características, nada disso o define em nenhum momento. Para ser sincera, a descrição mais verdadeira a respeito desse personagem veio de uma música. Uma música cuja letra e melodia não poderiam vestir perfeitamente em alguém (sim, eu tenho sérios problemas em ver o Toru como apenas um personagem), como vestiu no, peculiarmente, cativante Watanabe, ou como vestiu perfeitamente no livro em si.
"[...]Todos tentam expressar o seu eu, e se irritam ao se descobrirem incapazes de fazer isso direito." (pág. 31)
E como se toda a sensibilidade do Toru não fosse o suficiente para quebrar-nos em pedacinhos, o autor ainda nos presenteou com outros personagens tão sensíveis quanto. Norwegian Wood é, segundo meu conceito, uma poesia em prosa. Um romance por definição; uma história de amor arquitetada pelo destino. Uma obra de arte posta em palavras num papel.
E isso é tudo que consigo exprimir em palavras, até porque Norwegian Wood, mais do que lido, deve ser sentido. É o tipo de livro que toca a alma da gente e modifica o que tocou. Não posso dizer que sou a mesma depois de ter lido ou, melhor ainda, sentido o que li. Não sou a mesma porque, de agora em diante, vou carregar sempre comigo todo o sentimento irradiado de umas poucas páginas de um livro. E para terminar, eu volto ao começo:
"- Eu gostaria que você nunca se esquecesse de mim. Você vai se lembrar para sempre que eu existi e estive aqui ao seu lado como agora?
- Claro. Vou me lembrar para sempre - respondi."(pág. 15)
P.S.: Pesquisando um pouco sobre o livro, descobri que, em 2010, Norwegian Wood teve sua adaptação cinematográfica dirigida pelo diretor franco-vietnamita Anh Hung Tran. Foi, inclusive, indicado ao Leão de Ouro, no Festival de Veneza. Aqui o trailer, e caso alguém se interesse em assistir é só fazer o download aqui (eu mesma fiz o download e já estou preparando a pipoca, o refrigerante e a caixa de lenços de papel).
Ok, preciso desse livro para ontem! DDD:
ResponderExcluirUma coisa sobre mim é que sou completamente apaixonado por livros que falam sobre essa transição da adolescência para a vida adulta, principalmente quando tudo isso vem com uma boa dose de drama e foi exatamente por isso que esse livro me chamou atenção desde a primeira vez que vi você comentando sobre ele no twitter e resolvi ler alguns comentários sobre o mesmo no Skoob.
E agora depois de ler essa sua resenha essa vontade triplicou! Sei que vou amar Norwegian Wood e PRECISO lê-lo o mais rápido possível. O grande problema é a verba curta e o preço não tão acessível dele! :/
Impressionante como um ponto levantado por você no texto, de que também podemos descobrir um pouco de nós mesmo durante a leitura, consegue se mostrar verdadeira apenas lendo essas curtas passagens que você colocou!
Esse é um dos meus livros favoritos e com certeza o melhor que eu já li do Murakami - li outros 3 livros dele e estou lendo o 5º. Tudo que você falou nessa resenha é extremamente preciso, principalmente a descrição de Toru, que realmente não é nenhum estereótipo, mas sim o próprio Murakami. Esse livro, mesmo não se tratando de uma história real, me pareceu bem autobiográfico, contando sobre as próprias angustias do autor, nesse momento de transição da adolescência para a vida adulta.
ResponderExcluirVi o filme e sugiro que você assista, para formar uma opinião própria. Eu não gostei muito. Não por não ser fiel, mas por ser fiel demais e não ter tempo o suficiente para isso. A direção é perfeita e o filme é uma beleza, estéticamente falando, mas as cenas foram muito mal editadas. Os cortes entre os trechos são tão abruptos, que faz parecer que uns vinte minutos foram perdidos entre cada transição; o pior é que, provavelmente, foi isso que aconteceu, eles rodaram um filme de 3 horas, mas a produtora pediu para cortar e transformar em apenas duas. Para quem não leu o livro, o filme é compreensível. Para quem leu, não sei, depende de cada um. Eu achei insatisfatório.
Gostei do blog, vou segui-lo de agora em diante.
Raphael (www.delirandoeescrevendo.blogspot.com.br)
Rafael, concordo com você sobre o filme. É bem insatisfatório mesmo. Comecei a assisti-lo, mas tinha perdido tanto a essência do livro que eu não consegui terminar de ver. Detesto fazer isso, mas, simplesmente, parei na metade.
ExcluirE que bom que gostou daqui, seja bem-vindo!
Muito obrigado pelas dicas! Adorei "Minha querida sputnik" e acabei encontrando a resenha no seu site. Agora estou partindo para esse segundo livro do Murakami!
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